[WTF] Norm Macdonald (1959 - 2021)
Norm Macdonald – comediante, escritor, ator
Nos finais de semana, algo diferente. Publicarei traduções um pouco maiores, de livros ou ensaios. Comecemos com essa do Norm Macdonald no waiting for the punch – livro das transcrições do podcast WTF with Marc Maron.
Norm Macdonald faleceu setembro passado. Ficou conhecido nos 90s por conta do SNL e alguns filmes. A piada da mariposa contada no Conan é um dos melhores momentos dos talk shows deste século. Fica também a recomendação deste vídeo em que o Seinfeld explica uma piada que desde criança o Norm nunca entendeu, e passou a vida repetindo a outros comediantes pra ver se algum deles conseguia.
sobre a infância
NORM Quando eu era bem novo, eu era muito, muito, muito tímido e tinha medo de tudo. Quer dizer, muitas pessoas dizem que eram tímidas na infância, mas pra mim era patológico.
Aconteceu uma coisa esquisita comigo quando eu era criança. Não sei se tem algum significado. Não foi espiritual ou coisa parecida, mas me transformou de alguma forma. Eu tinha medo pra caralho de tudo, e se eu fosse até uma loja, tinha que ficar andando um tempão até tomar coragem para encarar uma pessoa e comprar um pacote de chicletes. Não sei por que diabos eu era assim.
De qualquer modo, quando eu tinha nove anos, a gente vivia na parte rural de Ontário, e meu pai tinha um amigo cego. Meu pai falou, “Leva ele até a loja.” E eu fiquei, “Como é que é? Eu tenho que levar esse cego do caralho, eu que já sou tímido e essas merdas?” Lá estou eu, caminhando com ele até a loja, e o puto quer que eu explique tudo, descreva tudo pra ele, então eu fico, “Tem um pouco de grama pra lá, e agora um poste de luz,” e esse cara tá todo feliz. Que que o poste tem demais? É só um poste. E continuamos assim por um tempo, mas alguma coisa aconteceu comigo durante essa interação. Parece bizarro, mas alguma coisa aconteceu comigo e em vez de estar olhando sempre pra dentro, que era o que eu sempre fazia antes daquele momento, eu estava olhando pra fora. Enquanto eu conversava com ele, tive repentinamente um tipo de histeria, como se eu estivesse rindo. Comecei a rir, e nem sei por que estou me lembrando disso agora, mas comecei a rir de tudo, e tudo parecia muito, muito engraçado pra mim.
Algumas semanas depois, eu vi um mendigo e ele começou a falar comigo, e ele estava falando sobre John D. Rockefeller. Ele dizia, "Eu fui no funeral do John D. Rockefeller!" e outras merdas, e eu ria dele. Então ele começou a rir, e eu percebi, "É tudo maluquice."
Agora acho tudo engraçado, menos as coisas realmente sérias.
sobre vício
NORM Fali algumas vezes quando eu realmente tinha dinheiro. Com apostas. E fali mesmo. Fui a zero.
Não sei o que era. Não sou psiquiatra, mas eu sei de uma coisa. Eles dizem que viciados em aposta querem perder e tal, o que sempre me pareceu estranho, mas eu te digo que nas três vezes que fali, de uma quantidade grande de dinheiro, tive um sentimento bastante libertador. Eu ia até uma cafeteria, tomava uma xícara de café e não tinha nada. Uma grande parte do que sou é tentar ficar o mais ascético que consigo em minha vida.
Três vezes eu perdi tudo que tinha. A única vez que fui a um psiquiatra foi por causa de aposta. Eu perguntei, "Como é que eu consigo sair dessa merda?" e ele disse, "Ah, você aposta para evitar a vida." Mas eu pensava, não é por isso que fazemos tudo na vida? Pra evitá-la?
É doloroso pensar nisso, porque agora seria bom ter o dinheiro, mas é como qualquer fuga. Nunca fui um cara da bebida ou das drogas, mas quando eu assisto a um jogo tendo apostado um monte de dinheiro nele, aí eu entendo o que acontece. Não é nada ambivalente ou coisa do tipo. Há valor. Você sabe exatamente as regras. Você está completamente envolvido e completamente ausente dos medos reais da sua vida. Prefiro ter medo de perder dinheiro num jogo de futebol a ter que ruminar a porra da noite toda sobre minha doença e morte que se aproximam. Meu maior problema é ruminar sobre a morte. Se eu conseguisse superar isso de alguma forma.
As pessoas que sabem que vão chegar ao fundo do poço meio que querem isso. Porque é cansativo ficar obcecado com alguma coisa. Você está tentando, creio eu, chegar lá. Terminar finalmente. Se você tem $450,000 no banco e perde $400,000, você diz "Foda-se. Não quero os $50,000 pra me lembrar que eu tinha mais grana."
É assim que se faz.
sobre saúde mental
NORM O problema com risada é que às vezes se transforma numa histeria e preciso tomar alguns calmantes pra evitar um ataque de pânico. Começo a rir e perco o controle, fico histérico. Ainda tenho uma sensibilidade extrema para as coisas. Não com as coisas da vida, mas literatura ou arte ou coisas assim. Tenho uma sensibilidade tremenda. Eu meio que tenho que me distanciar disso.
Tipo pinturas. Eu não conheço nada de arte. Nada mesmo. Mas tive experiências que me afetaram muito. Teve uma vez, eu estava em Nova Iorque e alguém me arrastou pra porra de um museu de arte. Eu detesto arte. Eu estava olhando essa pintura de uma menina, e eu estava me apaixonando por ela. Caralho ela era tão linda, essa merda de menina nessa merda de pintura, e o guia me contava que a porra do quadro foi feito no século XVI. Obviamente essa senhorita estava morta, morta há muito tempo, e cá estou eu apaixonado por ela, caralho. Então eu penso, "Ah. Merda." Foi tão difícil pra mim por tantos dias. Parece maluquice, né?
Marc
Não acho. Parece que era uma pintura muito boa.
Norm
A pintura era incrível, mas me faria chorar e eu não chorei no funeral do meu pai. As coisas da vida real parecem tão prosaicas pra mim que nunca me afetam realmente.
sobre mortalidade
NORM Eu adoro pessoas super velhas porque elas te ajudam com perspectiva. Adoro música country e essas merdas, mas tem esse mito sobre o cara velho que nunca esqueceu a menina e fica bebendo e tal. Isso não é verdade. Quando você conhece gente velha e pergunta, "Ei, você tem o coração partido?"
"Ahn? O quê?" Eles não ligam. Tudo é como comédia pra eles. Eles tem essa perspectiva incrível.
Aí eu fiquei pensando se eu conseguisse essa perspectiva instantaneamente. Só fingir que você é velho pra caralho e esquecer das coisas instantaneamente.